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Como reanimado no episódio anterior pela moça escrevente deste podcast, escorrendo diante de quem nos ouve tautologias nietzschianas que há muito a acompanham; se há, porventura, uma verdade mais líquida que as outras, a de que a vontade sustém uma orientação para o poder, parece ainda evidente. Prefigura-se na imagem ora eidética do universo artístico ora como uma captura momentânea de um pequeno lago transparente à procura de não se afundar nas massas pouco líquidas que cercam o fundo dos mares mais poluídos. O paroquialismo da televisão nos anos do fascismo, uma certa vertente pedagógico-propagandística da caixinha qualificada de 'mágica', fabricante das ilusões e soluções para quem a assistiu desde o primeiro momento e acompanhou a sua transição: dos jogos espelhados de uma cultura a preto-branco para o exercício pós-cultural e a cores, com todos os sentidos que não só a visão, num mundo que se vaticinava global e sem anzóis ou iscos homogéneos, foi transladada para as redacções dos jornais, e das redacções para as redes sociais. A uma escassez dos tempos lentos e ao culto das leituras superficiais contrapõem-se retratos adornados com livros e discos. Mas a escassez de tempo subtraiu os mergulhos fora do ecossistema televisivo-cibernauta. Porventura teremos nos perdido em algum momento numa atmosfera de aterradora cacofonia. O extenuante scroll down confunde-se com a audição de um álbum completo ou a leitura em papel de um livro, e estes com os códigos mais íntimos do instinto de sobrevivência dos artistas. A arte e o jornalismo desmaiam à vez na torrente de estímulos e notificações. Há excepções. Mas poucos são os que conseguem destrinçar as algas menos comestíveis das nutritivas quando já se alimentam em monodietas de fast-food.. Esmorecemos num mar indistinguível centrado na auto-promoção dos peixes que embora se mostrem como as sereias mais vistosas, dando a aparência de um intelecto, nunca alcançam o intelecto em si, nem por si. A paulatina falência dos órgãos humanos vitais imiscui-se nas necessidades económicas que outrora alimentavam bem aquele que já designámos de quarto poder. O jornalismo cultural não escapou ao desânimo crescente dos artistas nem às imposições das instituições culturais; ainda que, aparentemente, tenha trazido leitores e escreventes para as redes sociais. Há uma baleia a navegar no mar morto. Creio que não houve ainda um corte radical com as aspirações trazidas pelo modelo televisivo e a sua lógica de audiências nos anos oitenta e noventa do século passado, mas antes uma transferência das vontades do modelo televisivo para as redacções dos jornais e destas para as redes sociais, sendo, ao contrário do que se previa inicialmente, as lógicas comuns e subsistem em realimentação. A polémica e o voyeurismo transformou-nos em guionistas da nossa 'verdade'. O que o jornalismo diz ser e aquilo que já não pode ser não se condoem com aquilo que poderiam ser. Nomear a sua necessidade mais urgente, a de assunção da vulnerabilidade como nos diz Vítor Belanciano, autor e antropólogo-ensaísta, jornalista de cultura há trinta anos, com uma presença duradoura e conhecida enquanto crítico musical, acusado de plágio por uma leitora-investigadora em jornalismo (Joana Fillol) há dois anos, talvez fosse o primeiro acorde a alinhar para uma progressão sonora contrapontística e renovadora do estado da arte. Face à crise de confiança generalizada, à precarização dos meios, ao patamar de credibilidade e de legitimação que outrora lhe dera a aura de poder agora perdida, ao desfasamento entre velhos preceitos sob o qual se rege ainda a prática jornalística tendo em consideração os desafios contemporâneos, o que pode, afinal, o jornalismo? A dias do cinquentenário do 25 de Abril, foi esta a nossa conversa em língua franca, e iniciada há mais tempo que o do episódio que agora disponibilizamos, com o nosso colega Vitor Belanciano.
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