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Morelianas

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Próximo episódio tá exigindo uma pesquisa enorme. Enquanto não sai história nova, gravei uma leitura de um texto que inspira mt a utopia deste podcast. É o capítulo 71 do Jogo da Amarelinha, do Julio Cortazar, e tem o título de Morelliana. Morelli é um autor fictício cujos ensaios aparecem no meio do livro de Cortazar.

Vou deixar aqui também o texto transcrito:

Morelliana

O que será, no fundo, essa história de encontrar um reino milenar, um éden, um outro mundo? Tudo o que se escreve atualmente, e que vale a pena ler, encontra-se orientado para a nostalgia. Complexo de Arcádia, regresso ao grande útero, back to Adam, le bon sauvage (etc), Paraíso perdido, perdido por buscar te, yo, sin luz para siempre…

E aí surgem as ilhas (cf. Musil) ou os gurus (se houver grana para o avião Paris—Bombaim), ou então simplesmente segurar uma xicrinha de café e olhá-la por todos os lados, não já como uma xícara, mas como uma testemunha da imensa burrice em que todos estamos metidos, acreditar que esse objeto não passa de xicrinha de café, quando o mais idiota dos jornalistas encarregados de nos resumir os quanta, Planck e Heisenberg, se mata, procurando explicar-nos em três colunas que tudo vibra e treme e que tudo está como um gato à espera de dar o enorme pulo de hidrogênio ou de cobalto que deixará a nós todos de pernas pro ar. Modo grosseiro de expressar-se, realmente. A xicrinha de café é branca, o bom selvagem é marrom, Planck era um alemão formidável. Por trás de tudo isso (é sempre por trás, temos de nos convencer de que essa é a idéia básica do pensamento moderno), o Paraíso, o outro mundo, a inocência humilhada que obscuramente se procura chorando, a terra de Hurqalyã.

De uma ou de outra maneira, todos a procuram, todos querem abrir a porta para ir brincar. E não o fazem tanto pelo Éden, não tanto pelo Éden em si, mas apenas para deixar para trás os aviões a jato, a cara de Nikita ou de Dwight ou de Charles ou de Francisco, o despertar a uma hora certa, a adaptação ao termômetro e ao mau tempo, a aposentadoria à custa de pontapés no cu (quarenta anos de encolher-se para que doa menos, mas dóia mesma coisa, de qualquer forma a ponta do sapato entra um pouco mais de cada vez, com cada pontapé vai se desfazendo mais o pobre cu do empregado, do subtenente, do professor de literatura ou da enfermeira), e dizíamos que o Homo sapiens não procura a porta para entrar no reino milenar (embora isso não fosse nada mau, na realidade), mas apenas para poder fechá-la atrás de si e balançar o cu como um cachorro contente, sabendo que o sapato da puta da vida ficou para trás, se espatifando contra a porta fechada, e que o pobre olho do cu pode ir se afrouxando com um suspiro, endireitar-se e começar a caminhar entre as florzinhas do jardim e sentar-se para olhar uma nuvem durante apenas cinco mil anos, ou vinte mil se for possível e se ninguém se aborrecer e se houver uma possibilidade de ficar no jardim olhando as pequenas flores. De vez em quando, entre a legião daqueles que andam com o cu a quatro mãos, surge um que não só gostaria de fechar a porta para proteger-se dos pontapés das três dimensões tradicionais, sem contar aqueles que vêm das categorias do entendimento, do mais do que apodrecido princípio de razão suficiente e outras imbecilidades infinitas, como ainda, além do mais, esses cavalheiros acreditam, juntamente com outros loucos, que não estamos no mundo, que os nossos vetustos pais nos meteram num corso, em contramão, do qual é preciso sair para não se acabar numa estátua eqüestre ou convertido em avozinho exemplar, e que nada está perdido se afinal se tiver coragem suficiente para proclamar que tudo está perdido e que é preciso começar de novo, como os famosos operários que em 1907 se deram conta, certa manhã de agosto, de que o túnel do monte Brasco estava mal apontado e de que acabariam saindo a mais de quinze metros do túnel que estavam abrindo os operários iugoslavos vindo de Dublivna. Que fizeram os famosos operários? Os famosos operários deixaram o túnel como estava, voltaram para a superfície e, depois de vários dias e noites de deliberação em diversas cantinas do Piemonte, começaram a cavar por sua conta e risco em outro lugar do Brasco, continuando para a frente sem se preocupar com os operários iugoslavos, e depois de quatro meses e cinco dias alcançaram o lado sul de Dublivna, para não pouca surpresa de um mestre-escola aposentado que os viu aparecer dentro do banheiro de sua casa. Trata-se de um exemplo louvável que os operários de Dublivna deveriam ter imitado (embora seja preciso reconhecer que os famosos operários não haviam comunicado as suas intenções aos operários iugoslavos), em vez de se obstinarem num túnel inexistente, como é o caso de tantos poetas debruçados na janela da sala, com mais de metade do corpo para fora, a altas horas da noite. Assim, uma pessoa pode rir e pensar que não está falando sério, mas sim, está falando sério, pois o riso, só por si, já cavou mais túneis úteis do que todas as lágrimas da terra, embora os pedantes engravatados não gostem de pensar que Melpômene seja mais fecunda do que Queen Mab.

De uma vez por todas, seria bom que nos puséssemos em desacordo sobre esse assunto. Talvez haja uma saída, mas essa saída deveria ser uma entrada. Talvez haja um reino milenar, mas não é fugindo da carga de um inimigo que se conquista uma fortaleza. Até agora, este século anda fugindo de uma porção de coisas, procurando portas, e até por vezes arrombando-as. O que acontece depois ninguém sabe, é bem possível que alguns tenham conseguido ver e tenham perecido, apagados instantaneamente pelo grande esquecimento negro; outros na certa ter-se-ão conformado com uma breve fuga, uma pequena casa de campo, a especialização literária ou científica, o turismo. As fugas já são planejadas, já são produto da tecnologia, são armadas com o Modulor ou com a Régua de Náilon. Há imbecis que continuam acreditando que a bebedeira possa ser um método, bem como a mescalina ou a homossexualidade, qualquer coisa magnífica ou inane em si mas estupidamente elevada a sistema, na chave do reino.

Pode ser que haja outro mundo dentro deste, mas não o encontraremos recortando a sua silhueta no tumulto fabuloso dos dias e das vidas, não o encontraremos nem na atrofia nem na hipertrofia. Esse mundo não existe, é preciso criá-lo como a fénix. Esse mundo existe neste, mas da mesma forma como a água existe no oxigênio e no hidrogênio, ou ainda como podemos encontrar nas páginas 78, 457, 3, 271, 688, 75 e 456 do Dicionário da Academia Espanhola tudo o que é necessário para escrever um certo undecassílabo de Garcilaso. Digamos que o mundo seja uma figura e que é preciso entendê-la. Por entendê-la, queremos dizer gerá-la. Quem é que se preocupa com um dicionário pelo próprio dicionário? Se, de delicadas alquimias, osmoses e misturas de simplicidades, surge finalmente Beatriz na margem do rio, como não pressentir maravilhado aquilo que por sua vez poderia nascer dela? Que inútil tarefa a do homem, barbeiro de si mesmo, repetindo até a náusea o corte quinzenal,sentando-se à mesma mesa, refazendo as mesmas coisas, comprando o mesmo jornal, aplicando os mesmos princípios às mesmas conjunturas. É possível que haja um reino milenar,mas se alguma vez o alcançarmos, se viermos a ser ele, deixará logo de se chamar assim. Enquanto não tirarmos do tempo o seu chicote de história, enquanto não acabarmos com a hipertrofia de tantos enquanto, continuaremos tomando a beleza como um fim, a paz como um desiderato, sempre deste lado da porta, onde, na realidade, nem sempre estamos mal, onde muita gente encontra uma vida satisfatória, perfumes agradáveis, bons salários, literatura de alta qualidade,som estereofónico; e se é assim, então para que inquietar-se se provavelmente o mundo está acabado, a história se aproxima do seu ponto ótimo, a raça humana sai da Idade Média para ingressar na era cibernética?

Tout va tres bien, madame la Marquise, tout va tres bien, tout va tres bien.

Além de tudo, é preciso ser imbecil, ser poeta, é preciso ficar a ver navios para perder mais de cinco minutos com estas nostalgias perfeitamente liquidáveis a curto prazo.Cada reunião de gerentes internacionais, de homens-de-ciência, cada novo satélite artificial, hormônio ou reator atômico esmagam um pouco mais estas enganosas esperanças. O reino será de matéria plástica, não resta dúvida. E não é que o mundo vá se converter num pesadelo orwelliano ou huxleyano; será muito pior, será um mundo delicioso, à medida dos seus habitantes, sem nenhum mosquito, sem nenhum analfabeto, com galinhas enormes e provavelmente de dezoito pés, saborosíssimas todas elas, com banheiros telecomandados, água de cores diferentes, segundo o dia da semana, uma delicada atenção do serviço nacional de higiene, com televisão em todos os quartos, por exemplo grandes paisagens tropicais para os habitantes de Reykjavik, vistas de iglus para a população de Havana, compensações sutis que conformarão todas as rebeldías, etcétera.

Ou seja, um mundo satisfatório para as pessoas razoáveis.

E ficará nele alguém, uma só pessoa, que não seja razoável?

Em algum recanto, um vestígio do reino esquecido. Em alguma morte violenta, o castigo por ter-se recordado do reino. Em alguma risada, em alguma lágrima, a sobrevivência do reino. No fundo, não parece que o homem termine por matar o homem. Não vai conseguir, vai agarrar o leme da máquina eletrônica, do foguete sideral, vão lhe dar uma rasteira, e depois cairão em cima dele. Pode-se matar tudo, menos a nostalgia do reino, que levamos na cor dos nossos olhos, em cada amor, em tudo aquilo que profundamente atormenta e desfaz e engana. Wishful thinking, talvez; mas essa é outra definição possível do bípede implume.

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Vou deixar aqui também o texto transcrito:

Morelliana

O que será, no fundo, essa história de encontrar um reino milenar, um éden, um outro mundo? Tudo o que se escreve atualmente, e que vale a pena ler, encontra-se orientado para a nostalgia. Complexo de Arcádia, regresso ao grande útero, back to Adam, le bon sauvage (etc), Paraíso perdido, perdido por buscar te, yo, sin luz para siempre…

E aí surgem as ilhas (cf. Musil) ou os gurus (se houver grana para o avião Paris—Bombaim), ou então simplesmente segurar uma xicrinha de café e olhá-la por todos os lados, não já como uma xícara, mas como uma testemunha da imensa burrice em que todos estamos metidos, acreditar que esse objeto não passa de xicrinha de café, quando o mais idiota dos jornalistas encarregados de nos resumir os quanta, Planck e Heisenberg, se mata, procurando explicar-nos em três colunas que tudo vibra e treme e que tudo está como um gato à espera de dar o enorme pulo de hidrogênio ou de cobalto que deixará a nós todos de pernas pro ar. Modo grosseiro de expressar-se, realmente. A xicrinha de café é branca, o bom selvagem é marrom, Planck era um alemão formidável. Por trás de tudo isso (é sempre por trás, temos de nos convencer de que essa é a idéia básica do pensamento moderno), o Paraíso, o outro mundo, a inocência humilhada que obscuramente se procura chorando, a terra de Hurqalyã.

De uma ou de outra maneira, todos a procuram, todos querem abrir a porta para ir brincar. E não o fazem tanto pelo Éden, não tanto pelo Éden em si, mas apenas para deixar para trás os aviões a jato, a cara de Nikita ou de Dwight ou de Charles ou de Francisco, o despertar a uma hora certa, a adaptação ao termômetro e ao mau tempo, a aposentadoria à custa de pontapés no cu (quarenta anos de encolher-se para que doa menos, mas dóia mesma coisa, de qualquer forma a ponta do sapato entra um pouco mais de cada vez, com cada pontapé vai se desfazendo mais o pobre cu do empregado, do subtenente, do professor de literatura ou da enfermeira), e dizíamos que o Homo sapiens não procura a porta para entrar no reino milenar (embora isso não fosse nada mau, na realidade), mas apenas para poder fechá-la atrás de si e balançar o cu como um cachorro contente, sabendo que o sapato da puta da vida ficou para trás, se espatifando contra a porta fechada, e que o pobre olho do cu pode ir se afrouxando com um suspiro, endireitar-se e começar a caminhar entre as florzinhas do jardim e sentar-se para olhar uma nuvem durante apenas cinco mil anos, ou vinte mil se for possível e se ninguém se aborrecer e se houver uma possibilidade de ficar no jardim olhando as pequenas flores. De vez em quando, entre a legião daqueles que andam com o cu a quatro mãos, surge um que não só gostaria de fechar a porta para proteger-se dos pontapés das três dimensões tradicionais, sem contar aqueles que vêm das categorias do entendimento, do mais do que apodrecido princípio de razão suficiente e outras imbecilidades infinitas, como ainda, além do mais, esses cavalheiros acreditam, juntamente com outros loucos, que não estamos no mundo, que os nossos vetustos pais nos meteram num corso, em contramão, do qual é preciso sair para não se acabar numa estátua eqüestre ou convertido em avozinho exemplar, e que nada está perdido se afinal se tiver coragem suficiente para proclamar que tudo está perdido e que é preciso começar de novo, como os famosos operários que em 1907 se deram conta, certa manhã de agosto, de que o túnel do monte Brasco estava mal apontado e de que acabariam saindo a mais de quinze metros do túnel que estavam abrindo os operários iugoslavos vindo de Dublivna. Que fizeram os famosos operários? Os famosos operários deixaram o túnel como estava, voltaram para a superfície e, depois de vários dias e noites de deliberação em diversas cantinas do Piemonte, começaram a cavar por sua conta e risco em outro lugar do Brasco, continuando para a frente sem se preocupar com os operários iugoslavos, e depois de quatro meses e cinco dias alcançaram o lado sul de Dublivna, para não pouca surpresa de um mestre-escola aposentado que os viu aparecer dentro do banheiro de sua casa. Trata-se de um exemplo louvável que os operários de Dublivna deveriam ter imitado (embora seja preciso reconhecer que os famosos operários não haviam comunicado as suas intenções aos operários iugoslavos), em vez de se obstinarem num túnel inexistente, como é o caso de tantos poetas debruçados na janela da sala, com mais de metade do corpo para fora, a altas horas da noite. Assim, uma pessoa pode rir e pensar que não está falando sério, mas sim, está falando sério, pois o riso, só por si, já cavou mais túneis úteis do que todas as lágrimas da terra, embora os pedantes engravatados não gostem de pensar que Melpômene seja mais fecunda do que Queen Mab.

De uma vez por todas, seria bom que nos puséssemos em desacordo sobre esse assunto. Talvez haja uma saída, mas essa saída deveria ser uma entrada. Talvez haja um reino milenar, mas não é fugindo da carga de um inimigo que se conquista uma fortaleza. Até agora, este século anda fugindo de uma porção de coisas, procurando portas, e até por vezes arrombando-as. O que acontece depois ninguém sabe, é bem possível que alguns tenham conseguido ver e tenham perecido, apagados instantaneamente pelo grande esquecimento negro; outros na certa ter-se-ão conformado com uma breve fuga, uma pequena casa de campo, a especialização literária ou científica, o turismo. As fugas já são planejadas, já são produto da tecnologia, são armadas com o Modulor ou com a Régua de Náilon. Há imbecis que continuam acreditando que a bebedeira possa ser um método, bem como a mescalina ou a homossexualidade, qualquer coisa magnífica ou inane em si mas estupidamente elevada a sistema, na chave do reino.

Pode ser que haja outro mundo dentro deste, mas não o encontraremos recortando a sua silhueta no tumulto fabuloso dos dias e das vidas, não o encontraremos nem na atrofia nem na hipertrofia. Esse mundo não existe, é preciso criá-lo como a fénix. Esse mundo existe neste, mas da mesma forma como a água existe no oxigênio e no hidrogênio, ou ainda como podemos encontrar nas páginas 78, 457, 3, 271, 688, 75 e 456 do Dicionário da Academia Espanhola tudo o que é necessário para escrever um certo undecassílabo de Garcilaso. Digamos que o mundo seja uma figura e que é preciso entendê-la. Por entendê-la, queremos dizer gerá-la. Quem é que se preocupa com um dicionário pelo próprio dicionário? Se, de delicadas alquimias, osmoses e misturas de simplicidades, surge finalmente Beatriz na margem do rio, como não pressentir maravilhado aquilo que por sua vez poderia nascer dela? Que inútil tarefa a do homem, barbeiro de si mesmo, repetindo até a náusea o corte quinzenal,sentando-se à mesma mesa, refazendo as mesmas coisas, comprando o mesmo jornal, aplicando os mesmos princípios às mesmas conjunturas. É possível que haja um reino milenar,mas se alguma vez o alcançarmos, se viermos a ser ele, deixará logo de se chamar assim. Enquanto não tirarmos do tempo o seu chicote de história, enquanto não acabarmos com a hipertrofia de tantos enquanto, continuaremos tomando a beleza como um fim, a paz como um desiderato, sempre deste lado da porta, onde, na realidade, nem sempre estamos mal, onde muita gente encontra uma vida satisfatória, perfumes agradáveis, bons salários, literatura de alta qualidade,som estereofónico; e se é assim, então para que inquietar-se se provavelmente o mundo está acabado, a história se aproxima do seu ponto ótimo, a raça humana sai da Idade Média para ingressar na era cibernética?

Tout va tres bien, madame la Marquise, tout va tres bien, tout va tres bien.

Além de tudo, é preciso ser imbecil, ser poeta, é preciso ficar a ver navios para perder mais de cinco minutos com estas nostalgias perfeitamente liquidáveis a curto prazo.Cada reunião de gerentes internacionais, de homens-de-ciência, cada novo satélite artificial, hormônio ou reator atômico esmagam um pouco mais estas enganosas esperanças. O reino será de matéria plástica, não resta dúvida. E não é que o mundo vá se converter num pesadelo orwelliano ou huxleyano; será muito pior, será um mundo delicioso, à medida dos seus habitantes, sem nenhum mosquito, sem nenhum analfabeto, com galinhas enormes e provavelmente de dezoito pés, saborosíssimas todas elas, com banheiros telecomandados, água de cores diferentes, segundo o dia da semana, uma delicada atenção do serviço nacional de higiene, com televisão em todos os quartos, por exemplo grandes paisagens tropicais para os habitantes de Reykjavik, vistas de iglus para a população de Havana, compensações sutis que conformarão todas as rebeldías, etcétera.

Ou seja, um mundo satisfatório para as pessoas razoáveis.

E ficará nele alguém, uma só pessoa, que não seja razoável?

Em algum recanto, um vestígio do reino esquecido. Em alguma morte violenta, o castigo por ter-se recordado do reino. Em alguma risada, em alguma lágrima, a sobrevivência do reino. No fundo, não parece que o homem termine por matar o homem. Não vai conseguir, vai agarrar o leme da máquina eletrônica, do foguete sideral, vão lhe dar uma rasteira, e depois cairão em cima dele. Pode-se matar tudo, menos a nostalgia do reino, que levamos na cor dos nossos olhos, em cada amor, em tudo aquilo que profundamente atormenta e desfaz e engana. Wishful thinking, talvez; mas essa é outra definição possível do bípede implume.

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